quinta-feira, 17 de abril de 2014

[Postagem do Dia] O estado ditatorial da Família Nuclear

As verdades impostas são fundamentadas em fatores de diversas áreas (religião, costumes, ciência, direito etc.), os discursos predominantes no mundo contemporâneo estão enraizados em uma cultura reprodutora de falas. É deste modo que temos consagrada atualmente o que se entende por “família nuclear”, sendo esta composta pelo casal heteroafetivo, branco e de classe média. É indiscutível que para chegarmos a esse conceito há de se percorrer um bom caminho norteado de regras básicas de comportamento.

Pois bem, imaginemos o período em que o casal descobre que terá uma filha, sexo feminino, assim sendo, tratam logo de pintar as paredes do quarto com a cor da feminilidade, o rosa; compra bonecas; já planeja como será o balé. A criança nasce, cresce e ao se desenvolver é educada para ser sensível, obediente, deve estudar sim, porém, também deve encontrar um bom marido que tenha condições suficientes para prover o sustento da família. A esta filha diversos passos de vivência já serão impostos antes mesmo do seu nascimento.

Deste modo, o sexo biológico (a forma como o sujeito nasce) é fator determinante para os parâmetros da dicotomia em que se colocam em lados opostos ambos os gêneros preexistentes: homem e mulher. E a partir desse binarismo que se extrai as disparidades de direitos, os preconceitos de gênero e, até mesmo, a conhecida guerra dos sexos. Ao homem, sendo atribuído papeis de poder, de superioridade, de firmeza e decisão. À mulher, o enclausuramento do lar, os menores salários, a emotividade e passividade. Esta polarização que vem a ser reproduzida por todas as gerações é uma representação fiel do que se espera de uma sociedade com os pés fincados no conservadorismo matrimonial.

São estes sujeitos que vem a compor o que chamo aqui de “família nuclear” (termo este trabalhado por Jane Felipe), no qual se sustenta pelo Casamento, Instituição esta, fielmente protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas imposições sociais. Para chegarmos a essa conclusão, basta algumas perguntas: Desde quando a sociedade olha com bons olhos a mulher que não deseja casar ou ter filhos? Ou até casa, mas acaba separando? Por muito tempo e até hoje ainda chamada de “desquitada”, termo pejorativo para aquela que se livra das amarras de uma relação falida. A verdade é que muitos sujeitos ainda permanecem na relação devido às aparências, mesmo passando por crises preserva o status “casado (a)” e, em alguns casos, até iniciam o sagrado matrimônio sem nutrir sentimentos recíprocos com o parceiro, apenas como forma de contraprestação ao que a sociedade espera.

Diante disso, cabe indagar: será o Casamento uma Instituição falida? Ou será que a imposição social do que se entende por Família Nuclear acaba por forçar os sujeitos a se integrar nos ditames preestabelecidos? Esta família protegida pelos preceitos religiosos, pelo ordenamento jurídico, pelos costumes e por muito tempo até pelas ciências, está eleita em estado ditatorial na sociedade moderna, ignorando a possibilidade dos novos arranjos amorosos, bem como novos conceitos de família.

Atualmente, a legislação brasileira vem ganhando novos contornos (a partir da atuação de Movimentos Sociais e nomes de grande expressão como a doutrinadora Maria Berenice Dias e o Deputado Federal Jean Wyllys – PSOL/RJ) no que tange aos novos conceitos, por exemplo, a família está deixando de ser uma relação sagrada imbatível, para ser fruto da afetividade mútua. Sendo assim, observam-se novos passos para se por abaixo a imutabilidade do conceito de Instituição Familiar, abrindo espaço para emergir novas configurações amorosas, respaldas por novos sujeitos nas relações, rompendo com a lógica binária heteronormativa e quebrando com a polarização de gênero, no qual rebaixava a mulher a um papel de subordinação perante o homem. A partir deste momento, estes novos contornos começam a ser reconhecidos e respaldados por lei, bem como decisões jurisprudenciais que até então estavam sendo barradas pela venda que puseram na Deusa da Justiça. A verdade é que o Direito não pode ser (ou fingir ser) cego, o legislador deve sair do papel de protetor do conservadorismo para benfeitor das novas realidades, visto que esta em nenhum momento vai suprir direitos, apenas ampliá-los.


*Texto publicado no exemplar do dia 17/04/2014 do Jornal de Fato, pag. 2.

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